Usar celular no trabalho pode gerar demissão. E mais: por justa causa. Nos casos mais graves, que já foram parar nos tribunais, os empregadores alegam que o uso do aparelho era proibido e os ex-funcionários sabiam das regras. Ainda não há, em instâncias superiores da Justiça, o registro de dispensa causada pelo uso excessivo do eletrônico nas empresas onde o celular está (parcialmente) liberado. Especialistas ouvidos pelo UOL, no entanto, afirmam que é uma questão de tempo até isso começar a acontecer.


O motivo é simples, Cada vez mais viciados nos smartphones, os usuários não conseguem desgrudar seus olhos e dedos da tela – estejam eles em casa, em trânsito, em aula, em situações sociais e também no trabalho. Estudo divulgado em junho pela empresa norte-americana Office Team aponta que funcionários de escritórios gastam em média 56 minutos por dia – ou cinco horas por semana - usando o celular no ambiente profissional para fins pessoais. Se considerando só o grupo de 18 a 34 anos, o intervalo passa para 70 minutos para cada dia de trabalho.


Na prática é o empregado que, protegido pelas fronteiras das baias , divide a atenção entre tarefas profissionais e o WhatsApp. Ou o médico que, antes de começar o atendimento, passa segundos hipnotizados pela tela – comentando em seguida algum absurdo do grupo de família. O caixa de supermercado, que esconde o aparelho sob o suporte para máquina de cartões, navegando enquanto o cliente digita a senha. O vigilante da rua, mais atento ao Facebook do que às movimentações do mundo off-line. O manobrista, que prioriza os memes aos motoristas. A manicure, dividida entre cutículas e updates.


Existe o outro lado, claro, vantajoso para o empregador. Com tantas ferramentas digitadas de comunicação, o expediente não acaba quando o trabalhador vai para casa; o smartphone aumenta muito o tempo em que o empregado está disponível. Por isso Edna Bedani, diretora-executiva de aprendizagem e conhecimento da ABRH (Associação Brasileira de Recursos Humanos), aponta “flexibilidade” e “equilíbrio” como palavra=chave ao lidar com esse novo desafio no ambiente profissional.


“O uso do celular no trabalho para fins pessoais tem incomodado, mas veio para ficar. Portanto, é preciso encontrar um equilíbrio. Se o uso for proibido, o funcionário pode não atender uma ligação profissional após o expediente, por exemplo. As empresas precisam ser flexíveis, e os funcionários precisam estar atentos para o celular não atrapalhar suas entregas, sua relação com os colegas nem sua saúde”.
Sobre este último item, a especialista dá o exemplo de transtornos da era digital, como o Fomo (fear of missing ou, ou medo de perder algo se ficar sem acesso ao celular) ou a sensação equivocada de que o aparelho está tocando.

O que diz a Justiça – O desafio não pode ser tratado da mesma maneira para lidar com diferentes profissões. O Juiz Fábio Augusto Brada, do TRT de São Paulo, exemplifica: pessoas que trabalham em laboratórios podem comprometer as análises caso manipulem celulares, extremamente sujos. Em áreas de segredo industrial, smartphones podem facilitar a captura de dados sigilosos. Render um vigilante fica mais fácil se ele não estiver atendo ao ambiente, mas sim à tela do aparelho. Ligado no whatsApp – situação testemunhada pela reportagem – o caixa do supermercado aumenta as chances de erro enquanto passa as compras do cliente. “O ideal é estabelecer o que é ou não permitido no trabalho, pois regras não escritas podem causar mal-entendidos. Se elas não existem, vale o bom senso: o funcionário é pago por seu tempo e, se estiver trocando mensagens pessoais durante o expediente, não está trabalhando”, explicou o juiz, que ainda não julgou casos deste tipo, mas afirma que eles devem se tornar cada vez mais comuns. Para ele, deve ser levado em conta se este uso atrapalha o rendimento do funcionário, se aumenta suas chances de distração e se compromete a segurança de alguma forma.


Segurança foi o que sustentou a demissão por justa causa de um serralheiro de Maringá (PR), Em fevereiro de 2017, o TRT do Paraná manteve esta decisão da vara de Maringá, sob alegação de que o uso do celular durante o horário do expediente descumpria uma regra de segurança da empresa. A determinação diz que ele havia sido advertido várias vezes sobre esta proibição, pois sua função envolvia manipulação de máquinas de corte, de polimento e soldas, além de produtos químicos com algum grau de toxidade.

Regras que precisam ser claras – Claudionor Barbiero, professor de direito trabalhista da Faculdade Presbiteriana Mackenzie Campinas, reforça a importância de as regras serem claras. Isso pode estar previsto no contrato de trabalho ou em uma circular apresentada a todos os funcionários, logo que admitidos na empresa. Sua opinião, no entanto, vai de encontro com a importância da flexibilização destacada anteriormente,. “Cabe ao empregador definir se o uso do celular é permitido ou não. A flexibilização dificulta esse controle. Quando pode? Quanto tempo pode? Esses pontos mais difíceis de serem determinados”.


Mas, se não pode, não pode. Tanto que a proibição do uso já respaldou outra demissão por justa causa –desta vez, de um operador de telemarketing. “ Ele sabia que estava infringindo norma da empresa que vedava ao ambiente de trabalho com o aparelho e foi dispensado por insubordinação e indisciplina”, diz a determinação do Tribunal Superior do Trabalho, de 2015.


Na ocasião, o funcionário alegou que não havia guardado o aparelho em um armário para objetos pessoais, pois de lá haviam desaparecido objetos de valor. A decisão respondeu que o empregado não poderia “fazer uso arbitrário de suas próprias razões e deixar de cumprir as normas da empresa”.


Fonte e data da notícia: UOL Economia / enviado por Construtora Badalotti – 8-8-2017